terça-feira, 17 de agosto de 2010

dois meses sem a nona

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

(Vinicius de Moraes)

sábado, 7 de agosto de 2010

Natimorto


“Fincamos ali, naquele mar dourado de dia recém-nascido, o punhal que matava nossas solidões. No mesmo local em que, tempos depois, o arrancarias para cravá-lo a golpe seco em algum lugar entre meu átrio e a mitral.

Chorei.

Não pela distância… Por você. Porque dali em diante morrerias. Cada mínima parte do que foste. Cada fragmento do que nossos dias inspiraram a construir. Vida da minha vida, morrendo em ti e em mim. Luto em eco. Pois, em consonância, uma parte minha também falecia. Murchando a cada dia; através do tempo que passava, amputando cada inútil viva parte de mim. Despedaçada; marcada na carne já não tão viva…”