sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O ouro do Prata

Eu gosto muito do Antonio Prata. Conheci o trabalho dele nos tempos em que tinha idade - e tempo - pra ler Capricho. Okei, não faz tanto tempo assim que isso deixou de acontecer (nossa! se for contar, faz sim). O fato é que nem eu continuo lendo, nem o Antonio escreve mais lá. Não que eu tenha parado de comprar porque ele parou de escrever e, certamente, ele não parou de escrever porque eu parei de comprar hahahahaha. Na verdade, eu mudei, o Prata mudou e até a Capricho colou no fluxo de mudanças.

A admiração pelos textos permaneceu e comecei a segui-lo no blog, que depois mudou de casa. A essência continua a mesma desde os tempos da revista. Crônicas reflexivas feita por um cara cheio de talento e sensibilidade que sabe ver os pontos fracos da gente com olhos de comediante.

Hoje, por acaso ou sorte, lembrei de uma dessas crônicas: "O Salto". Uma das minhas preferidas! Ela, há algum tempo, me fez ver que valia a pena arriscar... e viver momentos com alguém que já me foi muito especial.

O SALTO

A gente não tem como saber se vai dar certo. Talvez, lá adiante, haja uma mesa num restaurante, onde você mexerá o suco com o canudo, enquanto eu quebro uns palitos sobre o prato -- pequenas atividades às quais nos dedicaremos com inútil afinco, adiando o momento de dizer o que deve ser dito. Talvez, lá adiante: mas entre o silêncio que pode estar nos esperando então e o presente -- você acabou de sair da minha casa, seu cheiro ainda surge vez ou outra pelo quarto –, quem sabe não seremos felizes? Entre a concretude do beijo de cinco minutos atrás e a premonição do canudo girando no copo pode caber uma vida inteira. Ou duas.

Passos improvisados de tango e risadas, no corredor do meu apartamento. Uma festa cheia de amigos queridos, celebrando alguma coisa que não saberemos direito o que é, mas que deve ser celebrada. Abraços, borrachudos, a primeira visão de seu necessaire (para que tanto creme, meu Deus?!), respirações ofegantes, camarões, cafunés, banhos de mar – você me agarrando com as pernas e tapando o nariz, enquanto subimos e descemos com as ondas -- mãos dadas no cinema, uma poltrona verde e gorda comprada num antiquário, um tatu bola na grama de um sítio, algumas cidades domesticadas sob nossos pés, postais pregados com tachinhas no mural da cozinha e garrafas vazias num canto da área de serviço. Então, numa manhã, enquanto leio o jornal, te verei escovando os dentes e andando pela casa, dessa maneira aplicada e displicente que você tem de escovar os dentes e andar ao mesmo tempo e saberei, com a grandiosa certeza que surge das pequenas descobertas, que sou feliz.

Talvez, céus nublados e pancadas esparsas nos esperem mais adiante. Silêncios onde deveria haver palavras, palavras onde poderia haver carinho, batidas de frente, gritos até. Depois faremos as pazes. Ou não?

Tudo que sabemos agora é que eu te quero, você me quer e temos todo o tempo e o espaço diante de nossos narizes para fazer disso o melhor que pudermos. Se tivermos cuidado e sorte – sobretudo, talvez, sorte -- quem sabe, dê certo? Não é fácil. Tampouco impossível. E se existe essa centelha quase palpável, essa esperança intensa que chamamos de amor, então não há nada mais sensato a fazer do que soltarmos as mãos dos trapézios, perdermos a frágil segurança de nossas solidões e nos enlaçarmos em pleno ar. Talvez nos esborrachemos. Talvez saiamos voando. Não temos como saber se vai dar certo -- o verdadeiro encontro só se dá ao tirarmos os pés do chão --, mas a vida não tem nenhum sentido se não for para dar o salto.

Um comentário:

Laíza disse...

caramba, até eu escrevi um post sobre a capricho, curtia demais as crônicas do prata. a última página da revista, a melhor, sempre.